Theodor Adorno e a educação para o pensar autônomo
Filósofo alemão defende uma formação humanística, capaz de criar a consciência crítica
POR: Fernando Cassaro - 01 de Novembro | 2009
Theodor Adorno (1903-1969) dedicou a vida ao entendimento dos processos de formação do homem na sociedade. O filósofo e sociólogo alemão foi um dos fundadores da Escola de Frankfurt, corrente de pensamento do início da década de 1920 fundamentada na ideologia marxista (leia mais no subtítulo "Os caminhos de Adorno"). Adorno teve um papel importante na investigação das relações humanas. Queria entender a lógica da burguesia industrial para defender mudanças na estrutura social e, com esse propósito, acabou entrando no terreno da Pedagogia - apesar de não ser considerado por especialistas como um teórico da área.
Para entender o pensamento de Adorno em relação à Educação, é importante compreender as críticas que ele faz à indústria cultural, vista como a responsável por prejudicar a capacidade humana de agir com autonomia. O tema foi tratado pela primeira vez em 1947 no livro A Dialética do Esclarecimento, que ele escreveu em parceria com Max Horkheimer (1895-1973), também da Escola de Frankfurt. Os autores explicam que a consciência humana é dominada pela comercialização e banalização dos bens culturais - fenômeno batizado posteriormente de "semiformação".
"Adorno afirma que há um processo real na sociedade capitalista capaz de alienar o homem das suas condições de vida", explica Rita Amélia Teixeira Vilela, doutora em Educação pela Universidade de Frankfurt e professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). É nessa discussão que está a chave para entender a crítica adorniana à escola: para o autor, a crise da Educação é, na verdade, a crise da formação cultural da sociedade capitalista como um todo.
Na opinião dele, o problema da Educação está no fato de ela ter se afastado de seu objetivo essencial, que é promover o domínio pleno do conhecimento e a capacidade de reflexão. A escola, assim, se transformou em simples instrumento a serviço da indústria cultural, que trata o ensino como uma mera mercadoria pedagógica em prol da "semiformação". Essa perda dos valores, segundo o autor, anula o desenvolvimento da autorreflexão e da autonomia humana. "Adorno critica a escola de massa por ela, segundo ele, instalar e cultuar a massificação. O resultado disso é a deformação da consciência", diz Rita Amélia.
Numa escola em que impera a banalização do conhecimento, o aluno é induzido a deixar de ler com profundidade as principais obras literárias, por exemplo, dando lugar à absorção de apenas alguns trechos necessários para responder aos exercícios escolares. "São repassados nada mais do que conhecimentos fragmentados e o trabalho pedagógico está somente orientado para conseguir a aprovação em exames e um diploma", afirma Rita Amélia. Seria a famosa "decoreba" de respostas prontas, em vez do estímulo ao raciocínio.
A Educação como ferramenta para a emancipação
À primeira vista, pode parecer que Adorno era contra a Educação. Pelo contrário. As críticas ao processo pedagógico são consequência do reconhecimento pelo autor da capacidade que ela tem de transformar as relações sociais. Fica evidente em sua obra a defesa de um projeto de libertação do homem por meio da formação acadêmica, porém uma formação de amplitude humanística. Para Adorno, o ensino deve ser uma arma de resistência à indústria cultural na medida em que contribui para a formação da consciência crítica e permite que o indivíduo desvende as contradições da coletividade.
O autor defende um processo educacional capaz de criar e manter uma sociedade baseada na dignidade e no respeito às diferenças. Segundo ele, o mundo estaria danificado pela falta de capacidade dos indivíduos de resistir ao processo de sua própria alienação. Mesmo quando a Educação considerada ideal estiver limitada e condicionada a uma realidade nada promissora, Adorno prega um projeto pedagógico que consiga libertar da opressão e da massificação. O caminho para isso é formar um indivíduo culto, com conhecimentos científicos, humanos e artísticos, preparado para uma vivência democrática. "A perspectiva sociológica de seu pensamento fazia com que ele considerasse a escola como a instituição capaz de formar o homem não dominado, pleno de autonomia de pensamento e ação em todas as instâncias da vida social", diz Rita Amélia. "Esse homem resistiria ao processo de massificação e de adaptação cega à ordem estabelecida."
Adorno acredita que a cultura da sociedade capitalista impõe um mecanismo de construção da heteronomia (ou seja, a sujeição do individuo à vontade de terceiros), fazendo o homem ser igual ao coletivo e perder, assim, sua individualidade. Sob esse ângulo, o indivíduo perde a capacidade de pensar e agir por conta própria e, consequentemente, de ser solidário e respeitar o próximo. Na opinião dele, somente essa alienação poderia explicar uma situação tão grave como a barbárie presente na sociedade - Adorno utiliza o Holocausto e os campos de concentração como símbolos máximos da selvageria humana.
Biografia
Da crítica musical para a Teoria Crítica
Theodor Ludwig Wiesengrund Adorno nasceu em 11 de setembro de 1903, em Frankfurt, Alemanha. De uma família bem-sucedida, formou-se em Sociologia, Filosofia e Artes. Filho de uma cantora lírica, estudou piano e, entre 1921 e 1932, publicou cerca de 100 artigos sobre crítica e estética musical. Aos 21 anos, tornou-se doutor em Filosofia e participou da criação da Escola de Frankfurt. Sete anos depois, tornou-se professor da Universidade de Frankfurt.
Por ser judeu, foi proibido de lecionar pelos nazistas e, em 1934, fugiu para Londres. Em 1941, mudou-se para Los Angeles, nos EUA, e só voltou à Alemanha em 1949. Foi reintegrado à universidade e ali lecionou até sua morte, em 6 de agosto de 1969.
A filosofia de Adorno é marcada pela crítica à sociedade de mercado, voltada para o progresso técnico. Entre suas principais obras estão A Dialética do Esclarecimento, A Ideia de História Natural, Dialética Negativa e Teoria Estética.
Os caminhos de Adorno
Um democrata de esquerda
NÃO À MASSIFICAÇÃO - Adorno criticava a produção intensiva de livros e jornais populares por "alienar consciências"
A Escola de Frankfurt foi fundada em 1924 com o nome de Instituto para a Pesquisa Social por Max Horkheimer (1895-1973), Herbert Marcuse (1898-1979), Friedrich Pollock (1894-1970), Erich Fromm (1900-1980), Felix Weil (1898-1975) e Theodor Adorno.
Mesmo com ideais marxistas, eles negavam a "Ditadura do Proletariado" e defendiam a democracia. Combatiam qualquer forma de governo totalitário e acreditavam que a tolerância era o único meio de criar relações sociais plurais, solidárias e justas. Foram os criadores dos conceitos de indústria cultural e cultura de massa.
Adorno partilhava ideias com filósofos alemães. Como Immanuel Kant (1724-1804), acreditava que o homem deve usar a razão para agir sobre o seu destino. Tal qual Friedrich Nietzsche (1844-1900), alertava para a incapacidade da civilização ocidental de buscar a própria libertação.
FONTE:
SITE NOVA ESCOLA. Theodor Adorno e a educação para o pensar autônomo - POR Fernando Cassaro. 01/11/2009. Online. Disponível em https://novaescola.org.br/conteudo/881/theodor-adorno-e-a-educacao-para-o-pensar-autonomo. Capturado em 26/10/2019.
Da Página 3 Pedagogia & Comunicação
"Nenhuma correção é demasiado pequena ou insignificante para que não se deva realizá-la", afirma Adorno sobre o ato de escrever em "Atrás do espelho" (fragmento de número 51).
De origem judaica, Theodor Wiesengrund Adorno foi um dos expoentes da chamada Escola de Frankfurt, que contribuiu para o renascimento intelectual da Alemanha após a Segunda Guerra Mundial. Estudou filosofia, sociologia, psicologia e música na Universidade de Frankfurt e, aos 22 anos, foi para Viena, Áustria, onde aprendeu a arte da composição com Alban Berg.
De volta à Alemanha, trabalhou no Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt, então dirigido por Max Horkheimer, onde passou a elaborar a teoria de como o desenvolvimento estético é importante para a evolução histórica. Em 1934 foi obrigado a imigrar para a Inglaterra para fugir da perseguição nazista aos judeus e durante três anos ensinou filosofia em Oxford.
Mudou-se para os Estados Unidos e, entre 1938 e 1941, ocupou o cargo de diretor musical do setor de pesquisa da Rádio Princeton e, depois, o de vice-diretor do Projeto de Pesquisas sobre Discriminação Social da Universidade da Califórnia, em Berkeley.
Em 1953 retornou ao seu país natal, onde reassumiu seu posto no Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt. Escreveu, entre outros, Filosofia da Música Moderna (1949) e Filosofia Estética (publicado postumamente, em 1970).
Seus textos têm o poder do esclarecimento, de tornar compreensível a realidade, e permanecem atemporais. Theodor W. Adorno alcançou em seus escritos a rara qualidade de conceder à razão uma força crítica, procurando mostrar diferentes aspectos do real para conduzir o leitor a um novo patamar de análise e, portanto, de consciência.
De acordo com o filósofo, não há nada melhor no exercício da escrita do que manter, a cada ideia, a cada vocábulo, uma "insistência desconfiada". A atenção de quem escreve deveria voltar-se aos objetivos que pretende alcançar e, simultaneamente, à sua própria maneira de ver o real, tendo a humildade de reconhecer que "não é fácil distinguir sem maiores considerações entre a vontade de escrever de maneira densa e adequada à profundidade do objeto, a tentação de ser incomum e o desmazelo pretensioso". Para Adorno, a "força" e a "plenitude" da técnica de escrever "beneficiam-se precisamente dos pensamentos reprimidos".
Todo esse esforço não tem por finalidade apenas construir algo agradável, mas um conjunto de ideias relevantes e profundas: "(...) Quem não quer fazer concessão alguma à estupidez do senso comum, tem que se precaver para não enfeitar estilisticamente pensamentos em si mesmo banais."
Recomenda que o escritor deve ser tímido e deve aventurar-se, buscar a originalidade de seus pensamentos e da forma de expressá-los.
Em um mundo degradado pelo poder econômico, no qual as ideologias exercem uma força sobre os homens e "a mentira soa como verdade e a verdade como mentira" (fragmento 71), o escritor não deve temer a constatação de que ele é um sobrevivente encurralado por forças que mercantilizam a cultura e todas as relações sociais.
Pelo fato de a inocência ter sido banida de todas as relações é que o bom texto deve preservar as qualidades de um mundo marcado pela lucidez e pela beleza. O gesto de escrever, de olharmos nossa própria imagem refletida nas palavras, não deve admitir qualquer concessão à facilidade, mesmo correndo o risco de nos tornarmos incompreendidos.
Para Adorno "o talento talvez nada mais seja do que a fúria sublimada de um modo feliz" (fragmento 72)
Palavras chave: "Adorno, caminhos de Adorno, Theodor, Escola de Frankfurt, consciência, sociedade, pesquisas sociais, dialética do esclarecimento, sociedade capitalista, indústria cultural, Educação"