Filosofia e Objetividade


Há tempos a questão da objetividade na filosofia aparece nos encontros, seminários e debates acadêmicos ou mesmo nas discussões em sala de aula. É uma questão, ou melhor, uma inquietação que parece perseguir a Filosofia desde sempre, ainda que na esteira ou na sombra de outras perguntas de mesma natureza como: para que serve a filosofia? Qual sua finalidade e utilidade?
Bem! Em um seminário na academia, após ter sugerido em uma fala descontraída, que a Filosofia e, portanto, os filósofos e estudantes carregam em si um aspecto blasé característico, fui prontamente refutado por um participante que defendeu imperativamente a objetividade na Filosofia, entendendo, talvez, que eu teria dito algo neste sentido. Como o tema do encontro não passava por esta questão, achei melhor não abrir a discussão, mas o participante foi embora com a ideia de que a filosofia é objetiva.
Em tempo, é preciso desfazer este equívoco principalmente aos jovens estudantes, futuros professores. A filosofia não é e nem deve ser objetiva, com pena de se negar a si mesma negando sua própria natureza.
A objetividade é uma qualidade daquilo que é objetivo, e este conceito diz respeito ao objeto, que é aquilo que se refere ao mundo exterior, que existe fora do espírito humano e independentemente do conhecimento que dele possua o sujeito pensante. Portanto, objetividade e objetivo são o que se refere aos objetos exteriores ao homem, que estão ou fazem parte do mundo exterior. E que mundo é este dos objetos? É tudo aquilo que não é do interior do homem. E sim do mundo posto, da realidade da natureza, da materialidade exterior da physis.
Desde Sócrates e novamente na modernidade que o estudo particular deste mundo dos objetos não pertence à área de prioridade da Filosofia, pertence sim, às Ciências. Os objetos da natureza são matéria de investigação e estudo próprios das ciências naturais e em parte das Biológicas, com a ajuda da Matemática. Aliás, foi nesta intenção de se dedicar a este mundo objetivo das coisas da natureza que as Ciências modernas surgiram e se desgarraram do tronco da filosofia. A Química, a Física e a Biologia, por exemplo, se preocupam, no conjunto, com os elementos formadores da natureza, com os fenômenos físicos e biológicos desta natureza.
Por se ocuparem dos objetos da physis (entes da natureza) as Ciências puderam desenvolver um método também objetivo e técnico para compreender estes entes, o que se tornou elemento de distinção entre Filosofia e Ciência. O método experimental, quantitativo, que entre outras técnicas, trabalha com a mensuração do objeto pesquisado como peso, tamanho, textura, temperatura, datação etc. São métodos objetivos, da objetividade (aquilo que proveio do objeto) é uma prerrogativa das Ciências e deve ser, pois, se esta se distanciar do objeto externo que está na natureza e se aproximar dos elementos e atributos internos do homem, a Ciência corre o risco de se tornar Filosofia, Religião ou Arte. Ela perde seu scopo de pesquisa do mundo físico e se torna uma metafísica. A Ciência tomou para si a responsabilidade pela descoberta de como este mundo externo ao homem, funciona. Por isso mesmo não se confunde com a Filosofia e não pode entrar no universo das subjetividades humanas, não deve se tornar subjetiva, caso contrário deixa de ser Ciência, no sentido moderno.
Pela comparação entre a finalidade primeira da Filosofia e da Ciência pode se deduzir que à Filosofia não cabe a objetividade do mundo das coisas e sim, a subjetividade do mundo do homem. Aliás, esta foi a principal contribuição de Sócrates, quando trouxe a Filosofia dos Céus para Terra, propondo uma Antropologia a partir da máxima “Conheça-te a ti mesmo” definindo aí, a subjetividade humana como área prioritária da investigação Filosófica.
Mas o que é a subjetividade? É aquilo que se opõe à objetividade. O subjetivo é antônimo do objetivo. A subjetividade é o que pertencente ou é relativo ao sujeito. Que está somente no sujeito, no eu; que se passa ou existe no espírito. Diz-se de uma ação oriunda do espírito e da razão, portanto do sujeito, não está e nem se origina do objeto, é propriedade inerente do ser. Neste sentido, como ponto de partida, aprioristicamente, está nesta concepção um princípio metafísico e não físico como os entes da natureza. Subjetividade é um campo onde habitam os “entes de espírito humano” como: as paixões, os sentimentos, as tormentas, as angustias, o pensamento, as reflexões, as críticas, os juízos, os valores, a moral, enfim, as vicissitudes, virtudes e idiossincrasias puramente humanas, seria, portanto, o campo próprio de investigação da Filosofia e não das Ciências da physis.
Por se ocupar das subjetividades humanas que são holísticas, complexas e múltiplas, a Filosofia não tem um método apenas e não utiliza de experimentações quantitativo-matemáticas, a Filosofia não se prende a mensurações, não pesa, não calcula, não mede a temperatura a umidade ou viscosidade das vicissitudes humanas, ela investiga pela razão, é uma ação cognoscente de observação, problematização, análise, reflexão, avaliação e julgamento que se reverbera, especula racionalmente os atributos do sujeito e suas relações consigo mesmo e com o outro no mundo histórico, cultural e valorativo. Por isso mesmo é um exercício de subjetividade e não de objetividade.
Ao contrário das Ciências a Filosofia não faz experimentos faz avaliações e críticas. Portanto não se detém ao objeto e sua objetividade, mas sim ao sujeito e sua subjetividade. E assim deve ser caso contrário toda a metafísica, ontologia, axiologia e mesmo a epistemologia se tornariam ciências, no sentido moderno do termo.
E aos que imaginam que ao menos os resultados das investigações filosóficas são ou deveriam ser objetivos (agora no sentido do senso comum), digo que nem nestes casos a filosofia pode ou deveria ser objetiva. A objetividade nas apresentações da expressão do pensamento sempre me pareceu um modo de censura e de imposição do tempo mecânico sobre o tempo da reflexão. Não! Não existe objetividade de expressão em filosofia, a objetividade não é atributo da linguagem humana, do mesmo modo não é própria da linguagem filosófica que tem por método o valor de verdade já na raiz mesma dos termos e conceitos, o que de entrada exige da reflexão filosófica, uma pesquisa semântica e lógica demorada e longa no uso dos termos. A objetividade coaduna com o pensamento descritivo não com o pensamento crítico, este é dialético, movimenta-se em uma espiral sem fim, em um vai e vem progressivo e ascendente necessário à sua própria construção.
O pensamento crítico expresso em palavras ou não, é demorado e paciente. O máximo de “objetividade” que se pode esperar da expressão do pensamento filosófico é a síntese do raciocínio, que também para ser o mais “objetivo” dependerá da reflexão demorada, própria do pensamento dialético do qual a síntese proveio. Então, mesmo a síntese não pode ser objetiva (no sentido do sendo comum). Quando o pensamento complexo se encontra com a objetividade das palavras, não se configura aí uma objetividade da expressão filosófica ou literária, como se pensa. Configura-se sim, uma arte, a arte da poieses, o que não é nem expressão da filosofia nem da literatura, mas um terceiro elemento que é a síntese delas, configura-se a arte da poética.
Por tudo, nem pelo scopo da Ciência, nem pelo telos da Filosofia, nem pelo método ou pelo pensamento e expressão, a Filosofia não se refere ao objeto, logo não pode ser objetiva, não é de sua natureza ontológica, não é de sua práxis dialógica, ainda que toda racionalidade instrumental moderna tente torná-la tecnicamente objetiva

Westerley Santos – Professor e Filósofo – Br. - Julho/2012

Local original do texto: http://westerleysantosfilosofia.blogspot.com.br/2012/07/filosofia-e-objetividade.html