VERDADE E PÓS VERDADE
Pepe Ruiz - PUC - Minas
Pilatos disse: "Então, tu és rei?" Jesus respondeu:"
Tu dizes que eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para isto:
para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da
verdade escuta a minha voz". Pilatos lhe disse: "Que é a
verdade?" (Jo 18,37-38)
.
A melhor época para o plantio do milho, dependendo da região, vai de setembro a outubro. Um fazendeiro estava fazendo contas e chegou à conclusão de que ele precisava plantar em junho, ou no máximo julho. Percorreu fazendas, conversou com uns e com outros. No geral todos lhe diziam o que ele já sabia, que a época boa é setembro e outubro. Começou a pensar em algumas possibilidades, 'e se planto no vale, e se planto na encosta...?' Mas as respostas não o satisfaziam: "setembro ou outubro!" Uma tarde, já meio resignado, tomando café com um velho conhecido, voltou à carga:' preciso plantar, colher e vender logo, mas se plantar em setembro o dinheiro vai chegar tarde'. Talvez por pena ou por cansaço o velho conhecido lhe disse: "ora, julho não é a época, mas às vezes pode dar sorte com as chuvas e, vai ver, dá certo!".
Esse relato totalmente ficcional poderia ter acontecido uns anos atrás. Hoje nosso fazendeiro entraria no Google e pesquisaria sobre plantio de milho fora da estação. Provavelmente, cada vez que ligasse seu celular, receberia notícias sobre milho, sementes, adubos e maquinários, para o processo de plantio e colheita... E certamente alguma dessas mensagens diria que não há uma época certa para plantar o milho.
Qual era a informação que nosso amigo fazendeiro estava buscando? A verdadeira ou a que satisfazia seus desejos? E qual seria o interesse de quem diz que não há uma época certa para plantar o milho? Perguntas simples que nos remetem a temas complexos.
Palavras como (pós)-verdade, (pós)-modernidade (liquida), mentiras e fake(s) news, dentre outras, fazem parte de nossas conversas e de nosso imaginário. Lembramos que a Oxford Dictionaries, departamento da universidade de Oxford responsável pela elaboração de dicionários, elegeu em 2016 "pós-verdade" ("post-truth") como palavra do ano, e a define como um substantivo "que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais".
Nosso amigo fazendeiro pode se dar bem o mal por sua teimosia em plantar o milho em julho e colocar a culpa, se der errado, nessa internet! A pós-verdade leva a adotar uma postura que se decanta pelo subjetivo e emocional silenciando o objetivo e racional, reforçando, principalmente, crenças, opiniões, ideologias e preconceitos. Ao se perder o interesse em verificar a veracidade das informações com métodos investigativos, (não se duvida nem se suspeita de nada) se perde o compromisso com a ética.
As notícias falsas tem um forte poder de persuasão sobre as massas e de reafirmação de crenças e posições ideológicas. E aí está um dos principais problemas dessa pós-verdade e das fakes, pois informações provocam ações, e ações têm consequências.
Talvez reflexões do tipo, "qual a responsabilidade de alguém que age embasado em informações falsas-consciente e interesseiramente aceitas", estejam condenadas à irrelevância ou ao à monólogo, e isso porque quem se alimenta da pós-verdade identifica a realidade com o desejo, o outro comigo (com eu), negando existência ao tu. E responsabilidade diz respeito a reconhecimento da alteridade.
Parece que, como Pilatos, ainda vamos ter que continuar aceitando o desafio de nos debruçar sobre essa atemporal, e ao mesmo tempo contextualizada (!) pergunta: "Que é a verdade?"
FONTE: https://www.pucminas.br/Pastoral/pensandobem/paginas/verdade-e-p%C3%B3s-verdade.aspx
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"Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo".
(Marx - 11ª tese sobre Feuerbach)