Filosofia Popular é um termo usado por Kant para se referir aos escritos filosóficos que são destinados ao público em geral, e não apenas aos especialistas[1]. Também pode ser entendida como uma forma de pensar a cultura popular brasileira, que se expressa nas manifestações religiosas, culturais, musicais e festivas do povo[2] [3]. É uma filosofia que não depende apenas da escrita, mas de outras gramáticas e experiências[4].
[1] - https://www.filosofiapopular.com.br/filo-popular.html
[2] - https://revistacult.uol.com.br/home/fragmentos-para-uma-filosofia-popular-brasileira/
[3] - https://www.amazon.com.br/Arrua%C3%A7as-Uma-filosofia-popular-brasileira/dp/6586719348
[4] - https://www.filosofiapopular.com.br/filo-popular.html
Fonte: Inteligência Artificial do BING
Filosofia Popular
IDEIA DE UMA "FILOSOFIA POPULAR"
François Chatelet [1]
No título destas breves proposições, a expressão filosofia popular figura entre aspas: ela pertence, com efeito, ao vocabulário de Kant, que assim designava os escritos destinados, além dos filósofos e sábios, ao público intelectual, àqueles que se interessam pelas coisas do espírito, e em particular, pelos assuntos morais e políticos. Adotando esta terminologia, Kant se inscrevia, ampliando-a, na perspectiva dita do Iluminismo: contava com os intelectuais para desenvolver indefinidamente e pouco a pouco a "sociedade dos espíritos", até construir o "reino dos fins", onde cada um seja "legislador e sujeito" reino possibilitado pela "autonomia da vontade". Pois, a seus olhos, o acesso à autonomia do povo - definido não como messias, como massa, como natureza orgânica, como lugar, mas como cada um e todos - constituía a força decisiva da luta contra a tirania. . .
Tal programa pode hoje parecer abstrato, pois o Iluminismo foi parcialmente desviado, monopolizado, submetido pelo poder dos Estados e dos grupos que nele exercem seu despotismo. Tem, entretanto, a eminente virtude, parece, de trazer elementos importantes para a compreensão de para que serve a pesquisa filosófica. O projeto kantiano associa às investigações longas e minuciosas, bastante especializadas, que são as três Críticas, escritos breves cujo interesse geral e implicações aparecem imediatamente ao público, escritos divulgados em publicações largamente abertas - o Berlinische Monatsschrift e o Allgemeine Literaturzeitung, entre outros. Esta maneira de agir é reveladora do estatuto que os filósofos - mesmo aqueles que se gosta de qualificar, da parte dos marxistas elementares e defensores das ciências humanas, como filósofos especulativos - entendam dar à sua empresa.
Seja o que for que pareça querer dizer a infeliz XI Tese sobre Feuerbach[2], os filósofos sempre quiseram "transformar" o mundo: que frequentemente tenha acontecido que alguns tenham sido conduzidos pela vontade de verdade a legitimar o mundo, logo a reproduzir a realidade, não impede de nenhum modo que a maioria se tenha dedicado a tarefa de "mudar a vida", seja pelo conhecimento que lhe quiseram dar (e as propostas de ação que isto implica, seja (e ao mesmo tempo) por intervenções diretas nos debates éticos e políticos de seu tempo.
É uma concepção bem fraca que se tem do idealismo do pensamento clássico - , em consequência, da contribuição polêmica de Marx neste domínio - que leva a rejeitar seu realismo natural, básico.
O filósofo intervém. Foi assim, é assim: desde a refutação de Aristóteles do programa platônico de "funcionarização" dos governantes, às advertências de Pierre Clastres e Claude Lefort no Discurso sobre a servidão voluntária, passando pelo artigo de Kant de dezembro de 1784, "Resposta à questão: que é o Iluminismo?" e pelas reflexões de Hegel sobre o Reformbill posto em discussão no Parlamento britânico em 1831. Mas esta intervenção é específica: é acompanhada de condições que lhe marcam o estilo e o alcance. Ora, eis que hoje o desconhecimento destas condições - para não dizer sua recusa - conduz a procedimentos de exposição deploráveis, na medida em que são prejudiciais à filosofia - que eles reivindicam - e às causas que querem defender. Apoiando-se sobre a pretensa descoberta moderna da significação ético-política do trabalho teórico e da obrigação de tomar partido nos dramas do mundo (e isto da maneira mais espetacular e mais urgente), a referência filosófica é convocada como cobertura e como exaltação. Ser-se-ia tentado, se ainda houvesse mais brio e informação mínima, a evocar Isócrates ou as partes mais precoces da produção de Cícero; ou ainda Vitor Cousin e sua arte de juntar citações que, seja qual for seu contexto efetivo, confirmam só por sua combinação, a conclusão visada; recentemente, Andréi Jdanov e seu discípulo Garaudy seguiam um método análogo na construção da dogmática marxista.
É provável, entretanto, que o modelo deste gênero de escrita seja mais medíocre: ele se encontra, sem dúvida, nos manuais escolares onde, fixada a ordem do programa e definindo as boas respostas, cada capítulo, na ordem cronológica chama os grandes autores a dizer sua palavra sobre a questão e justificar uma conclusão já escrita. Assim, atravessam-se alegremente os séculos e transformam-se as ideias!
Não é que os conflitos de ideias não sejam fundamentais e não constituam uma via de acesso precisa para a inteligência das lutas reais: ainda falta estas ideias serem compreendidas e estudas no seu estatuto e segundo sua lógica. O juízo de Kant sobre a Aufkärug - subscreva-se ou não este juízo - só encontra seu sentido enquanto está ligado ao conjunto da filosofia crítica, a uma reflexão sistematicamente aplicada às praticas que transformaram à época: a ciência física, de Copérnico a Newton, as mutações políticas que precedem a Revolução Francesa, e esta enquanto pretende realizar a Liberdade. Do mesmo ponto de vista, se tem interesse a contestação de Pierre Clastres da ideia demasiado largamente expandida da necessidade e da perenidade do Estado, é porque ela se apóia em uma análise pacientemente construída a partir de conhecimentos precisos...
Em suma, a "popularização" da filosofia, e mais geralmente, a colocação à disposição do que se deve chamar, à falta de melhor, o público dos dados culturais - a fim de que cada um possa aplicar-se por si mesmo, e aí veja mais de perto, com sua experiência e suas preocupações singulares - são concomitantes a uma pesquisa aprofundada. Se não, a operação é só propaganda e, como tal, seus efeitos só duram enquanto se mantém nos poderes privados ou públicos que a sustentam. Na realidade, o projeto de uma filosofia popular repousa sobre a ideia de que a forma Saber, aquela que pretende encerrar a verdade do Ser entre a primeira e última página de um livro - do Livro - forma herdada da Revelação, e que culmina nos grandes sistemas do século XIX, é um embuste, que esta forma ameaça sem cessar e alimenta os dogmatismos morais e políticos, e que só se pode combatê-la com eficácia a golpe de conhecimentos; isto, em particular, disto contra que lutam, um controle discursivo minucioso e seu aparelho de provas aprofundado; mas que não são, portanto, essencialmente diferentes dos conhecimentos que resultam de outras compreensões da realidade que habitualmente chamam-se "experiência" e que se manifestam, entre outras, por ocasião das mudanças históricas, pela invenção de uma outra sociedade pela própria sociedade; de tal modo que, nesta ótica, estabelece-se uma comunicação substancial entre os "lugares de conhecimento" que as doutrinas do Saber costumam pensar hierarquicamente, a passagem de um ao outro efetuando-se por contiguidade, de modo que cada um possua seu modo próprio de exposição.
É difícil - quando se é filósofo - desprender-se da forma Saber, da fascinação que ela exerce e da sujeição que ela induz. Mas não se arranjam as coisas substituindo-a por intuições fulgurantes, experiências cruciais, e exibindo - como outrora o Bem supremo - o Mal absoluto (e, de repente, o Recurso último). A sujeição é ainda mais nefasta, a proclamação da verdade preparando, no melhor dos casos, hábitos lúgubres da lucidez moralizante ou veemências malcontroladas da "grandescoberta". A filosofia se alimenta de matérias mais sólidas. Ela não foge das circunstâncias. Mas, precisamente, aplica-se a conhecê-las, a tornar inteligível sua irredutível singularidade. E, uma vez que se queira popular, quer dizer, quando se aplica a determinar os acontecimentos como oportunidade, e ajudada por conhecimentos, que só eles podem permitir-lhe reunir a diversidade e a imensa riqueza da experiência.
CHATELET, François. Idéia de uma filosofia popular. Correio do Povo, Caderno de Sábado. Porto Alegre: 11 de novembro de 1978.
[1] - Vide François Chatelet (Filósofo)
[2] - Vide Teses Sobre Feuerbach
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A FILOSOFIA NA BOCA DO POVO
Mariana Cruz
Esse hermetismo de que tanto acusam a filosofia – pobre dela – por vezes é puro preconceito ou falta de intimidade com essa disciplina cujos textos, na maioria dos casos, exigem mais de duas (três, quatro, cinco, infindáveis) leituras para começar a entendê-los. Mas, se existe mesmo aquela história de inconsciente coletivo de que Jung fala, isso pode explicar o fato de os complexos pensamentos filosóficos caírem de uma hora para outra na boca do povo. Ou são os filósofos que os captam do povo, transformando-os em parte de suas teorias? Como sempre, é a história do ovo e da galinha invadindo o campo filosófico.
É mais ou menos como comparar o médico especialista, que manda seu paciente ingerir uma droga à base de tais e tais elementos, com a curandeira que dá uma erva qualquer para o sujeito se tratar. O primeiro está amparado pelos rígidos e, supostamente, inquebrantáveis pilares científicos; a segunda, observadora atenta da natureza e guiada tão-somente pela prática. Por vezes esses dois saberes tão distintos acabam se encontrando: ao investigar a base das pesadas drogas medicinais, estão lá como substâncias primárias as ervas milagrosas da simplória senhora.
Do mesmo modo, o mais refinado pensamento filosófico pode ser encontrado, mutatis mutandis, no discurso de um humilde homem que jamais tenha aberto um único livro de filosofia na vida. É como se o espírito do mundo (Weltgeist) hegeliano soprasse no ouvido dos homens tais pensamentos e a humanidade desse mais um passo.
Assim, guardadas as devidas proporções, que jogue a primeira pedra aquele que, ao ouvir o aforismo do filósofo Friedrich Nietzsche “o que não me mata, torna-me mais forte” (em Crepúsculo dos Ídolos), não se lembre do conhecido ditado popular “o que não mata engorda”. Certamente este é um pouco menos profundo e inegavelmente mais bem-humorado. Ambos os ditos servem de consolação para aquela situação indesejável em que alguém se meteu e acha que é o fim do mundo.
Ironicamente, é Nietzsche, o filósofo que “matou Deus” e que não tem pena dos fracos e oprimidos, só desprezo, justamente ele que, entre essas frases, demonstra mais otimismo. Ele pelo menos dá um consolo: a adversidade pela qual uma pessoa passou serve como fonte de fortalecimento. O senso comum debocha: ou você sai mais gordo ou cheio de escoriações – típicas de quem se esborrachou.
Outro pensamento que transita entre a mais alta filosofia acadêmica e a mais prosaica sabedoria popular tem como progenitor o filósofo que alcançou as mais longínquas reflexões sem nunca ter saído de sua cidadezinha: Emmanuel Kant. Na Crítica da razão prática, o filósofo de Könninsberg escreve sobre o imperativo categórico: "age de tal forma que a norma de tua conduta possa ser usada como lei universal". Ao enxugar e simplificar ao máximo esta máxima, a fim de aplicá-la no dia-a-dia, basta se guiar pela batida frase: “não faças como os outros o que não queres que façam contigo”. É uma questão de praticidade: ao agir desse modo, você já estará agindo de acordo com o imperativo categórico, que é, obviamente, algo muito mais complexo do que isso; entretanto, para os simples mortais que não estão nem aí para a complexidade do pensamento kantiano, é o que basta.
O criador do cálculo infinitesimal, Gottfried Leibniz, afirma que este mundo foi eleito por Deus para existir, entre todos os outros mundos possíveis, pelo fato de ser o melhor entre eles. Apesar de todos os males existentes, este é o mais perfeito dos mundos, mesmo que nós, humanos, não enxerguemos isso (nossa visão dos acontecimentos é reduzida, mas a Dele, não), afinal de contas: “Deus escreve certo por linhas tortas”.
Andando um pouco mais para trás, chegamos ao fim do período medieval, quando Doutor Angélico, ou São Tomás de Aquino, falou sobre o Princípio do mal menor, que na sabedoria popular do século XXI, é traduzida pelo parecidíssimo “dos males, o menor” e suas variantes – “antes tarde do que nunca” e “antes só que mal acompanhado”, entre outros exemplos específicos, aplicados a várias situações.
Por fim, chegando aos gregos, temos na Ética a Nicômaco, de Aristóteles, uma fonte dos ditados que defendem a justa medida como ideal de felicidade. Nesse livro, o discípulo de Platão defende que a virtude está na escolha de um comportamento equilibrado, que fique entre duas formas de comportamentos viciantes; isso pode ser traduzido pelo nosso “nem oito, nem oitenta” ou “nem tanto ao céu, nem tanto à terra”. Quando se comporta de forma desmedida, tanto para o excesso como para a falta, o homem se afasta da virtude. Por exemplo: a coragem é o meio-termo entre a covardia e a postura temerária (que nada teme); o amor-próprio é a justa medida entre a baixa autoestima e o egocentrismo.
É possível transpor essa sabedoria para os dias de hoje, utilizando-a em situações específicas: diante da falta de paciência de alguém, você está sendo aristotélico ao afirmar que “apressado come cru”; para aquela pessoa ambiciosa que só pensa em cifras, vale o aviso: “quem tudo quer nada tem”.
A lista de pensamentos filosóficos presentes em ditos populares não pára por aí. Não é difícil encontrar uma frase do povo que critique o mundo das aparências, assim como Platão o faz; uma expressão que se inspire na sentença socrática “só sei que nada sei”; um aforismo que remeta ao “penso, logo existo” cartesiano ou à constatação de Hobbes de que “o homem é o lobo do homem”; ou uma analogia popular que se aproxime do sentido dos “afetos” espinosistas.
A inalcançável inteligência de tais homens não permite que saibamos qual seria sua reação diante destas aproximações espúrias. Será que eles estariam se revirando na tumba, tamanha a heresia proposta neste texto? Ou estariam orgulhosos por seus pensamentos terem virado máximas universais?
Talvez o melhor mesmo fosse nem ter escrito este texto profanador dos mais sublimes pensamentos da humanidade, seguindo o que propôs o genial Wittgenstein ao final de seu Tractadus Logico-Philosophicus: “sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar” ; afinal, “em boca fechada, não entra mosquito”.
Publicado em 11 de dezembro de 2007
Local original do artigo: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/filosofia/0019.html
POR QUÊ "Filosofia Popular" ?
"O fascínio que Russell exerceu sobre o público dependeu de numerosos factores. Para além da sua longevidade, há muitas outras facetas que o tornam único. Grande matemático e filósofo, apóstolo da paz e discutida figura política, Bertrand Russel alcançou um enorme prestígio mundial. Era o nonagenário que cativava os mais novos e inspirava os mais velhos; o aristocrata que desprezava a Câmara dos Lordes e se arriscava a ser preso; o anarquista por temperamento que desafiava o poder constituído; o ateu que traçou armas contra o dogma religioso e a moral convencional; o matemático e lógico cujas equações destronaram Euclides; o filósofo que procurou tornar a filosofia acessível aos leigos; finalmente, o galardoado com o Prémio Nobel da Literatura, cuja elegância de estilo, agudeza de ironia e destreza mental remontam a uma época em que se cultivava a arte de conversar e de escrever cartas."
Trecho de texto retirado de:
http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/russell/
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Comentário do Webmaster
Porque se Russell acreditava ser possível tornar a filosofia acessível aos leigos, eu também acredito. Este website é minha humilde contribuição.
José Antônio da Conceição - Webmaster