Friedrich Hegel

Georg Wilhelm Friedrich Hegel foi um filósofo alemão. Recebeu sua formação no Tübinger Stift (seminário da Igreja Protestante em Württemberg).
Era fascinado pelas obras de Spinoza, Kant e Rousseau, assim como pela Revolução Francesa. Muitos consideram que Hegel representa o ápice do idealismo alemão do século XIX, que teve impacto profundo no materialismo histórico de Karl Marx.

Nascimento: 27 de agosto de 1770, Stuttgart, Alemanha

Falecimento: 14 de novembro de 1831, Berlim, Alemanha


Formação

Hegel estudou no seminário de Tubinga com o poeta Friedrich Hölderlin e o filósofo Schelling. Os três estiveram atentos ao desenvolvimento da Revolução Francesa e colaboraram em uma crítica das filosofias idealistas de Immanuel Kant e de seu seguidor, Fichte.

Depois de ter se tornado tutor em Berna e em Frankfurt, Hegel começou a lecionar na Universidade de Jena, onde permaneceu de 1801 a 1806. Após a vitória de Napoleão, Hegel abandonou Jena e se tornou reitor da escola de latim em Nuremberg. Em 1816 ocupou uma cátedra na Universidade de Heidelberg. Sucedeu Fichte como professor de filosofia na Universidade de Berlim em 1818, posto que ocupou até sua morte. Estudou gramática até 18 anos, enquanto estudante, fez uma vasta coleção de extratos de autores clássicos, artigos de jornal, trechos de manuais e tratados usados na época.

 

Obra

A primeira e a mais importante das obras maiores de Hegel é sua Fenomenologia do Espírito. Em vida, Hegel ainda viu publicada a Enciclopédia das Ciências Filosóficas, a Ciência da Lógica, e os (Elementos da) Filosofia do Direito. Várias outras obras sobre filosofia da história, religião, estética e história da filosofia foram compiladas a partir de anotações feitas por seus estudantes, tendo sido publicadas postumamente.

 

Teoria

Filósofo da totalidade, do saber absoluto, do fim da história, da dedução de toda a realidade a partir do conceito, da identidade que não concebe espaço para o contingente, para a diferença; filósofo do estado prussiano, que hipostasiou o Estado - todas essas são algumas das recepções da filosofia de Hegel na contemporaneidade. É difícil dizer até que ponto essas qualificações são justas para com a filosofia hegeliana.

Ademais, as obras de Hegel possuem a fama de serem difíceis, devido à amplitude dos temas que pretendem abarcar. Diz a anedota (possivelmente verdadeira) que, quando saiu a tradução francesa da Fenomenologia do Espírito, muitos estudiosos alemães foram tentar estudar a Fenomenologia pela tradução francesa, para "ver se entendiam melhor" o árido texto hegeliano. (A) O fato é que sua filosofia é realmente difícil, embora isso não se deva necessariamente a uma confusão na escrita.

Afinal, Hegel era crítico das filosofias claras e distintas, uma vez que, para ele, o negativo era constitutivo da ontologia. Neste sentido, a clareza não seria adequada para conceituar o objeto. Introduziu um sistema para compreender a história da filosofia e do mundo mesmo, chamado geralmente dialética: uma progressão na qual cada movimento sucessivo surge como solução das contradições inerentes ao movimento anterior.

Por exemplo, a Revolução Francesa constitui, para Hegel, a introdução da verdadeira liberdade nas sociedades ocidentais pela primeira vez na história escrita. No entanto, precisamente por sua novidade absoluta, é também absolutamente radical: por um lado, o aumento abrupto da violência que fez falta para realizar a revolução, não pode deixar de ser o que é, e, por outro lado, já consumiu seu oponente.

A revolução, por conseguinte, já não pode voltar-se para nada além de seu resultado: a liberdade conquistada com tantas penúrias é consumida por um brutal Reinado do Terror. A história, não obstante, progride aprendendo com seus erros: somente depois desta experiência, e precisamente por causa dela, pode-se postular a existência de um Estado constitucional de cidadãos livres, que consagra tanto o poder organizador benévolo (supostamente) do governo racional e os ideais revolucionários da liberdade e da igualdade.

Segundo Umberto Padovani e Luis Castagnola, em "A história da Filosofia": "A Lógica tradicional afirma que o ser é idêntico a si mesmo e exclui o seu oposto (princípio da identidade e de contradição); ao passo que a lógica hegeliana sustenta que a realidade é essencialmente mudança, devir, passagem de um elemento ao seu oposto. "

De todo modo, a dialética é uma das muitas partes do sistema hegeliano que foi objeto de má compreensão ao longo do tempo. Possivelmente, uma das razões para isto é que, para Hegel, é preciso abandonar a ideia de que a contradição produz um objeto vazio de conteúdo. Ou seja, Hegel dá dignidade ontológica à contradição, bem como ao negativo.

Por outro lado, Hegel não queria com isso dizer que absurdos como, por exemplo, pensar que um quadrado redondo fosse possível. Talvez um melhor exemplo da dignidade ontológica da contradição é pensarmos nos conceitos aristotélicos de potência e ato (um ser que é ao mesmo tempo potência e ato) ou então na concepção dos objetos como unos e múltiplos ao mesmo tempo.

Nas explicações contemporâneas do hegelianismo - para os estudantes universitários, por exemplo - a dialética de Hegel geralmente aparece fragmentada, por comodismo, em três momentos chamados: tese (em nosso exemplo, a revolução), antítese (o terror subsequente) e a síntese (o estado constitucional de cidadãos livres).

No entanto, Hegel não empregou pessoalmente essa classificação absolutamente; ela foi criada anteriormente por Fichte em sua explicação mais ou menos análoga à relação entre o indivíduo e o mundo. Os estudiosos sérios de Hegel não reconhecem, em geral, a validade desta classificação, ainda que possivelmente tenha algum valor pedagógico.

Hegel utilizou-se deste sistema para explicar toda a história da filosofia, da ciência, da arte, da política e da religião, mas muitos críticos modernos assinalam que Hegel geralmente parece analisar superficialmente as realidades da história a fim de encaixá-las em seu modelo dialético. Karl Popper, crítico de Hegel em A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, opina que o sistema de Hegel constitui uma justificação velada do governo de Frederico Guilherme III e da ideia de que o objetivo ulterior da história é chegar a um Estado semelhante à Prússia dos anos 1830.

Esta visão de Hegel como apologista do poder estatal e precursor do totalitarismo do século XX foi criticada minuciosamente por Herbert Marcuse em Razão e Revolução: Hegel e o surgimento da teoria social. Segundo Marcuse, Hegel não fez apologia a nenhum Estado ou forma de autoridade, simplesmente porque existia: para Hegel, o Estado tem que ser sempre racional. Já Arthur Schopenhauer desprezou Hegel por seu historicismo e taxou a obra de Hegel de pseudo-filosofia.

Como se vê, a obra hegeliana é fonte de inúmeras controvérsias, mas, sem dúvida, a filosofia, na maior parte dos casos, não deixa de se referir a Hegel - mesmo quando é anti-hegeliana. Por outro lado, várias vertentes filosóficas inserem-se no legado hegeliano - embora em geral não se auto-intitulem hegelianas - a exemplo do Pragmatismo, da Escola de Frankfurt e do Marxismo.

 

Seguidores

Após a morte de Hegel, seus seguidores dividiram-se em dois campos principais e contrários. Os hegelianos de direita, discípulos diretos do filósofo na Universidade de Berlim, defenderam a ortodoxia evangélica e o conservadorismo político do período posterior à restauração napoleônica.

Os hegelianos de esquerda, chamados jovens Hegelianos, interpretaram Hegel em um sentido revolucionário, o que os levou a se aterem ao ateísmo na religião e ao socialismo na política. Entre os hegelianos de esquerda encontra-se Bruno Bauer, Ludwig Feuerbach, David Friedrich Strauss, Max Stirner e, o mais famoso, Karl Marx. Os múltiplos cismas nesta facção levaram, finalmente, ao individualismo egoísta de Stirner e à versão marxiana do comunismo.

No século XX a filosofia de Hegel experimentou um grande renascimento: tal fato deveu-se em parte por ter sido descoberto e reavaliado como progenitor filosófico do marxismo por marxistas de orientação filosófica, em parte devido a um ressurgimento da perspectiva histórica que Hegel colocou em tudo, e em parte ao crescente reconhecimento da importância de seu método dialético. Algumas figuras que relacionam-se com este renascimento são Georg Lukács, Herbert Marcuse, Theodor Adorno, Ernst Bloch, Alexandre Kojève e Gotthard Günther. O renascimento de Hegel também colocou em relevo a importância de suas primeiras obras, ou seja, as publicadas antes da Fenomenologia do Espírito.

Mas não só os teóricos da escola de Frankfurt viram um renascimento da filosofia hegeliana, como também muitos filósofos na França, em geral após o curso hoje famoso de Kojève. Dentre estes, podemos citar Sartre, Maurice Merleau-Ponty, Lacan, Hippolyte entre outros.

Do mesmo modo, os teóricos pragmatistas como Robert Brandon, aproveitaram os aspectos comunitaristas da filosofia hegeliana. Na verdade, esta apropriação de Hegel pelos pragmatistas começou com os primeiros filósofos pragmatistas.

Local original do Artigo: Wikipédia


 

Hegel: Unificação de Ontologia e Lógica

Miguel Duclós

Trabalho originalmente apresentado para o CFH-UFSC (2007)

 

1. Kant e o “fim” da metafísica.

Como é sabido, o sistema de Kant deixou uma tarefa intrincada para a posteridade ao reconceituar a metafísica na dissecação detalhada da razão humana que empreendeu, gerando uma revolução divisora de águas na história da filosofia. O autor tinha pleno conhecimento destas implicações, tanto que intitulou um de seus escritos como “Prolegômenos a toda metafísica futura que queria se apresentar como ciência”. Este livro, lançado em 1783, dois anos depois, portanto da primeira edição da Crítica da Razão Pura, de 1781, embora a obra-prima de Kant só tenha se tornado amplamente conhecida a partir dos artigos publicados na imprensa por Schütz, Schultz e Reinhold e a segunda edição, em 1789.

Diante da recepção da sua obra, tida como difícil e de uma redação seca e pesada, Kant escreveu os “Prolegômenos”, mudando o método de exposição de analítico para sintético, e buscando assim atingir um público mais amplo, difundindo, de certa forma, o alcance das suas pretensões de estabelecer uma metafísica verdadeiramente científica. Estes prolegômenos são, portanto, como que uma explicação da Crítica, com as mesmas questões tratadas de forma menos detalhada. Desta forma, não é demais acolher neste subtítulo a problemática envolvida também na obra principal.

Na explicação de sua trajetória, no começo deste livro, encontra-se a famosa frase de Kant acerca de David Hume. Este o teria “despertado de seu sono dogmático”. Este dogmatismo do Kant pré-crítico pode ser percebido pela sua escolha, como professor, dos manuais de Christian Wolff – importante filósofo que sucedeu Leibniz e foi influente nas educacionais da época. – e Baumgartem Hume atacou um dos fundamentos da razão, a lei da causalidade, e consequentemente, também o dogmatismo metafísico. Pois este aceita como pressuposto, sem questionamento, a ideia de existência de uma realidade acessível à razão, como Deus, alma, mundo, matéria, forma ou substância.

A “revolução copernicana” de Kant, contudo, trará uma nova perspectiva para o tratamento destas questões. Antes, considerava-se que o mundo estava em repouso e o sol girava em torno dele, por isso os cálculos astronômicos não coincindiam; Copérnico então considerou o sol imóvel e a Terra móvel, a realizar o giro em torno do astro. Assim como o Sol, a razão também girava em torno do mundo, buscando iluminá-los. Com Kant a razão fica imóvel e o mundo dos fenômenos é por ela iluminado conforme o raio de sua ação.

Como sabemos, Kant, na procura por um juízo sintético a priori que confirmasse a metafísica, fez a distinção entre os chamados phaenomena e noumena, ou as coisas tais como aparecem ao sujeito (fenômenos) e tais como são nelas mesmas (coisa-em-si). Este último aparece como um limite inacessível à razão humana.

Kant faz a separação entre o domínio do ser e o domínio do pensar, inaugurando como necessário um novo sentido para a palavra metafísica. As categorias, portanto, são conceitos puros a priori, ou seja, surgem extraídas das coisas, mas impostos por nós mesmos. Kant com isso intenta eliminar o legado do realismo aristotélico, fixando a correlação essencial entre sujeito e o objeto. O objeto do conhecimento só pode ser chamado objeto porque lhe são oferecidas as condições do conhecimento.

Os conceitos metafísicos que elencamos, portanto, são impossibilitados por este engenhoso cheque da razão pura. E não somente a filosofia é afetada, mas também a religião, já que está é pensada nos limites da simples razão, como vemos na análise que Kant faz das três provas teológicas – ou seja, racionais da existência de Deus, a ontológica, a físico-teológica e a cosmológica.

Como observa o poeta romântico Henrich Heine[i], com a Crítica da Razão Pura de Kant, a Filosofia se tornava uma questão nacional naquele país. Vários novos pensadores de grande porte brotaram do solo local e, seguindo a linha do mestre, surgiram alguns discípulos que logo se destacaram. Dentre eles ficaram conhecidos os pensadores que deram origem ao amplo e fecundo movimento de pensamento chamado de Idealismo Alemão Pós-Kantiano, com os sistemas de Fichte, Schelling e Hegel.

O Idealismo segue uma direção diferente no problema fundamental da metafísica (o que é o Ser? O que é o pensar?). Estes Idealistas lidavam diretamente com o ataque de Kant à metafísica, mas não queriam abrir mão do absoluto. Esta busca pelo incondicionado revela também uma sede de conhecimento não relativo. A busca do absoluto incondicionado torna-se, portanto, um ideal de conhecimento. Como retomar os objetos clássicos da metafísica sem ignorar o ataque kantiano é o mote dos idealistas alemães.

 

2. Idealistas Alemães

O primeiro deles, Fichte, parte do absoluto e realiza a sua intuição intelectual. Com esta associa o Absoluto com eu, na forma de eu absoluto – não o “eu” empírico, mas o “eu” em geral, da subjetividade geral. [ii]Mas o eu absoluto,.que é aquilo que o absoluto é (o absoluto é o eu), não consiste em pensar, pois o pensar vem depois. Consiste em fazer, consiste numa atividade. A essência do absoluto, do eu absoluto, é para Fichte a ação, a atividade.

Para Schelling “o absoluto está associado à harmonia, à identidade, à unidade sintética dos contrários, àquela unidade total que identifica num seio materno. (…) O absoluto de Schelling é a unidade vivente, espiritual, na qual estão contidas potencialmente todas as diversidades do mundo que conhecemos” (MORENTE, 1967) [iii]. Essa unidade vivente é anterior a tudo e afirma-se como identidade. Há um renascimento de Spinoza, o último grande racionalista, no Idealismo Alemão. O mundo é uma grande substância que é Deus, os seres finitos são determinações desta substância única.

No chamado panteísmo, Deus é e está em todas as coisas, e todo finito é determinação que nega esta substância única. Notável é a influência do Deus Sive Natura espinosano em Schelling, e para ele em tudo que existe há uma fundamental identidade; tudo é uma e a mesma coisa; as coisas, por diferentes que pareçam, vistas de um certo ponto, vêm todas fundir-se nesta matriz idêntica de todo ser que é o absoluto: o único que é infinitamente afirmante, infinitamente afirmado e a indiferença de ambos. O Deus-Universo-Todo é, pois, a identidade absoluta da natureza e do pensamento, da matéria e do Espírito. Em Schelling, a diferenciação do Absoluto é o que distingue a Natureza o Espírito.

Mas a distinção nunca é dissolve da identidade. A natureza está repleta de espíritos, porém o espírito é a também, a seu modo, natureza. O espinosismo dos idealistas se mistura com o insurgente romantismo alemão. Até mesmo Hegel é debitário de Espinosa ao colocar o problema da unidade, como veremos. Fichte escreve a Schelling, em carta “na sua ausência tornei-me espinosista. Mas para mim a substância não é o todo, mas o Eu”. O idealismo alemão sintetiza o espinosismo com o sistema de Kant. Porém, cada autor pensou esta síntese de maneira própria.

Heine nos diz que Schelling, ao contrário de Fichte e Hegel, não chegou a fixar uma obra que delimitasse de forma definitiva seu sistema. Seus livros, seguindo uma ordem cronológica, delineiam a lenta formação de uma ideia gradual, onde se fixa uma ideia fundamental. Além da filosofia, tem força no pensamento deste autor a poesia, que utiliza de forma fecunda na construção de imagens simbólicas, em detrimento do campo frio da lógica.

Talvez neste grau literário de sua obra resida justamente sua força, mas talvez também seja um dos pontos que levou Hegel a se desligar do círculo e romper com o amigo, deixando-o praticamente no ostracismo autoral e partindo para ser uma espécie de “filósofo oficial da Alemanha”, mais tarde, quando professor em Berlim. Vejamos como isso ocorreu. Hegel é um discípulo de Schelling que aos poucos se apropriou do poder do mestre, deixando-o obedecer-lhe e, finalmente, lançando-o na obscuridade.

Encorajado por seus pais a se tornar um pastor, Hegel ingressou no seminário da Universidade de Tübingen em 1788. A influência do luteranismo e da palavra de Cristo permanece em Hegel mesmo durante todo o desenvolvimento de sua trajetória filosófica. De certa forma, isto se deve à sua formação inicial, calcada no contexto histórico, que encontrou um ambiente seminal em Iena, onde também que começou a amizade com personalidades que viriam a se tornar grandes autores posteriormente, como Hölderlin e Schelling.

Ali estudava quando se deu a queda da Bastilha, e Hegel logo se tornou um grande entusiasta da Revolução Francesa, da queda da Bastilha, e mais tarde de Napoleão, antes deste se proclamar imperador. A celebração da liberdade como ideal regulador, que já aparece em Kant, permeia também o projeto hegeliano por toda a vida. Quando Napoleão vence os prussianos, na Batalha de Jena, Hegel já estava redigindo uma grande obra de maturidade, a Fenomenologia do Espírito, em 1807. Havia se mudado para esta cidade em 1801, para dar aulas na universidade local. Em Iena se cultivavam a poesia, a arte e a política.

 

3. Hegel e o rompimento com os idealistas

O prefácio da Fenomenologia do Espírito marca da separação de Hegel com Schelling, o adeus ao romantismo adotado pelos outros idealistas e também o vôo impulsionado pelas aspirações artísticas das experiências estéticas de vanguarda, que criavam uma alternativa ao racionalismo ao possibilitar o “esquecimento de si”. Confronta o idealismo, por considerar que este quer se por [colocar-se] contra o mundo por conta de suas deficiências, ou buscar algo melhor que a realidade.

Hegel recupera, portanto, traços do realismo em seu sistema idealista. É a ciência do mundo real, o espírito compreendendo-se a si mesmo em sua própria exteriorização e manifestações, que agora deve ser buscado. Hegel é ainda idealista, mas a unificação da ideia tem sempre um correspondente na multiplicidade da existência. O idealismo realista nunca perde sua ligação com os fatos.

Kant investigara as possibilidades do conhecimento, inaugurando, com isso, uma teoria da percepção; se um objeto se dá, ele tem de ser percebido antes de ser conceito. Hegel, por sua vez, perguntando como toda a experiência humana é possível, responde que a “Fenomenologia do Espírito” (1807) é a própria evolução da consciência no interior do processo histórico. Hegel é o modelo do intelectual puro, de homem lógico, de pensador racional e frio.

Quando era estudante, seus colegas o chamavam “o velho”. Sobre este aspecto, é curioso lembrar a sua famosa definição de filosofia na obra Princípios da Filosofia do Direito, de 1821, que coloca a coruja minervina como símbolo da filosofia: “Quando a filosofia pinta cinza sobre o grisalho, uma forma de vida já envelheceu, e com o cinza sobre o cinza não se pode rejuvenescer, apenas reconhecer; a coruja de Minerva alça seu vôo somente com o início do crepúsculo.”

 

4. Unificação de Lógica e Ontologia

Hegel esteve envolto na superação da aparente aporia kantiana. Para Hegel, as restrições kantianas nos afastariam do conhecimento especulativo, nos aproximando do senso comum. Hegel pretende continuar o projeto crítico dando, porém, uma solução para a incognoscibilidade da coisa-em-si em contraposição do fenômeno. Para instaurar o começo da ciência é necessário a lógica. Sem as categorias do pensamento o conhecimento seria vazio. Elas são o ponto de partida para descrever o fenômeno. Mas para dar este passo, era preciso livrar-se das perturbações da consciência e com a separação rígida entre o homem que conhece e o mundo a ser conhecido. Estas superações das cisões são como que a grande realização que o sistema de Hegel propõe para conseguir solucionar o problema kantiano. A ciência da lógica pretende a superação da filosofia anterior. Para isto, era preciso uma maneira de unificar a lógica – as categorias do pensamento subjetivo– com a ontologia, as categorias do ser. O estudo do ser não é separado do pensamento. O ser é constituído como pensamento, e o pensamento revela o ser. Apenas o pensamento vazio procura fora de si algum conteúdo. Antes, o objeto era visto como auto-suficiente e o pensamento absorvia impressões de fora. A verdade era a adequação da forma ao conteúdo. Hegel pretendeu dar fim a este impasse, e por isso criticou as dicotomias – como o dualismo cartesiano – e a clássica subordinação do sujeito ao objeto. Isso só foi possível porque, como dissemos, a filosofia de Hegel tem esta tonalidade fortemente sentido racional, expressa na notória fórmula “o real é racional, o racional é real”, Para Hegel ponto de partida de Hegel é o absoluto, e este é identificado com a razão. À pergunta metafísica: que é o que existe? A resposta de Hegel é: existe a razão. Tudo o mais são fenômenos da razão, manifestações da razão.

Mas, a razão em Hegel não é razão estática, inerte, ou uma faculdade captadora de conceitos, subjetiva. A razão é concebida por Hegel como uma potência dinâmica cheia de possibilidades que se desenvolvem no tempo; é como um movimento. Não há na realidade algo que não tenha uma justificação racional. Esta razão que é o absoluto, efetiva através de suas estruturas internas Hegel chama lógica, dando à palavra um sentido até então não habitual. O estudo da lógica mostra que a razão ao desenvolver-se, ao explicitar-se ela mesma, vai realizando suas razões, vai realizando suas teses, logo as antíteses, logo outra tese superior, e assim a razão mesma vai criando seu próprio fenômeno, vai-se manifestando nas formas materiais, nas formas matemáticas, que são o mais elementar da razão; nas formas causais, que são o mais elementar da física; nas formas finais, que são as formas dos seres viventes, e logo nas formas intelectuais, psicológicas, no homem, na história. Assim, tudo quanto é, tudo quanto foi, tudo quanto será, não é senão a fenomenalização, a realização sucessiva e progressiva dos germes racionais, que estão todos na razão absoluta.

O fundamento do ser é também um vir a ser e isso o faz consequência, produto, efeito. Por outro lado, o que faz a consequência, o que produz, o que causa, também é mediado enquanto origem através do que realiza. A mediação não se apresenta senão pela imediação. A imediação, por sua vez, não escapa da mediação, pois adquire sua expressão na sua manifestação ou no seu acontecer. Pode-se indicar aqui que em Hegel há uma insuficiência do que é em si que busca sua satisfação no reconhecimento da própria insuficiência.

O sistema de Hegel inaugurado na Fenomenologia e exposto na Enciclopédia tem esta aspiração de totalidade, de dar conta dos diversos ramos do saber. O objetivo de Hegel é captar aas ciências uma unidade orgânica que, com o poderoso recurso da dialética, anima em seu movimento interno as partes necessárias de um todo, que é a filosofia. O objeto de Hegel neste aspecto não é ode de ditar normas ao real, mas descrevê-lo. Na obra que condensa o sistema, a Enciclopédia das Ciências Filosóficas: em Compêndio, ele afirma, no parágrafo 15:

"Cada parte da filosofia é um todo filosófico, um círculo que se fecha sobre si mesmo mas no qual a ideia filosófica vive numa determinação particular". Apesar da lógica da circularidade que é subjacente ao sistema, existem contudo partes, que, só são inteligíveis na sua referência ao todo mas, por outro lado, é justamente por ser partes do todo que ganham uma necessidade e uma legitimidade que não teriam enquanto individualidades autônomas.

A exposição da constituição da ideia é um tema da Lógica. O sistema como um todo tem três partes, e cada parte segue a lei ternária. Cada verdade, cada realidade, tem três aspectos ou estágios. O primeiro passo é a afirmação preliminar e a unidicação, o segundo é a negação e a diferenciação, e o terceiro e final é síntese. Por exemplo, a semente da planta é a unidade inicial da vida que, quando encontra solo apropriado, desconstitui—se e, ainda em virtude de sua unidade vital, mantém estes elementos divergentes uníssonos, para reaparecer como a planta que tem seus membros unidos organicamente.

A indução também segue as mesmas etapas, com a hipótese original unifica-se o fato, mas é dissolvida quando confrontada com fatos opostos. O conhecimento científico só avança quando a unificação original se torna forte a tal ponto que reunifique os fatos discordantes.

 

5. Conclusão: Chegando ao Absoluto.

Kant escreveu o famoso ensaio “O que é o esclarecimento?” (Aufklarung) Um reflexo desta ênfase kantiana no iluminismo, no poder da razão como luz natural, sentimos na afirmação devastadora de Hegel no prefácio da Fenomenologia do Espírito, que encontrou um alvo certeiro de Schelling:

Aqui, considerar um ser-aí qualquer, como é no absoluto, não consiste em outra coisa senão em dizer que dele se falou como se fosse um certo algo; mas que no absoluto, no A=A, não há nada disso, pois lá tudo é uma coisa só. É ingenuidade de quem está vazio de conhecimento pôr esse saber único – de que tudo é igual no absoluto – em oposição ao conhecimento diferenciador e pleno (ou buscando a plenitude); ou então fazer de conta que seu absoluto é a noite em que "todos os gatos são pardos", como se costuma dizer.

Ou seja, um absoluto estático, indiferenciado, onde tudo é igual Hegel procura combater isso ao colocar o movimento e a diferenciação no tratamento da questão. Para Hegel, a solução de Schelling de uma “intuição intelectual” que chega ao Absoluto não é satisfatória. É o percurso da consciência que busca chegar ao Absoluto.

O Absoluto de Hegel está em movimento. A experiência da consciência está em movimento, fazendo o percurso que leva ao Espírito em movimento. O absoluto é o Espírito na relação piramidal com a lógica e a Natureza. O Espírito é o princípio de todo o sensível (a lógica) e do ser (a natureza).

Mas é apenas no desenvolvimento de si mesmo e como objeto de si mesmo, que o Espírito se dá a conhecer. As grandes figuras do Espírito são o direito, a moral, a vida social política, a arte, a religião e a filosofia. Estes são evocados como uma auto-diferenciação em relação à identidade com o Absoluto. O Espírito, que não se constrói em seus atos, revela-se sempre vivo no coração dos seus sistemas.

A realidade efetiva do sujeito vai ficar dependendo da consciência de si; o sujeito que se apreende a si mesmo, se apreende como conceito: a pessoa tem que ser um conceito existente, desde que o sujeito seja pensado como “Geist” (Espírito), que seja visto pelo que ele sabe dele mesmo. Hegel estava interessado na historicidade da vida do Espírito. Ao longo de toda essa conquista de si, a qual implica o desenvolvimento da religião, do trabalho, da arte, da cultura, da política etc.; para que haja história, cujo desenrolar contínuo alcança o Saber Absoluto, é preciso que o Espírito se desenvolva a partir do seu próprio conceito.

 

6. Bibliografia Consultada:

6.1. Autores:

Kant, I. Crítica da Razão Pura. Trad. Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão.. Ed. Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa: 2001

______. Prolegómenos a Toda a Metafísica Futura. Trad. Artur Mourão. Edições 70, Lisboa, 1988.

HEGEL, F. Enciclopédia das Ciências Filosóficas, Trad, Paulo Meneses, São Paulo: 1995. Ed. Loyola

______ Fenomenologia do Espírito. Trad. Paulo Meneses. Petrópolis: Vozes, 1992.

6.2. Comentários

HEINE, H. Contribuição à História da Religião e Filosofia na Alemanha, Editora Iluminuras; Trad. Márcio Suzuki. São Paulo.

MORENTE, M. Fundamentos de Filosofia. Trad. de Guillermo da Cruz Coronado. Ed. Mestre Jou. São Paulo, 1967.

6.3. WebSites:

Endereços retirados por causa de terem sido considerados "meta descrições complicadas" pelo Google

6.4. Anotação das Aula da Profª Maria de Lourdes Borges. UFSC – Segundo Semestre de 2007.


FONTE:
Consciência.org
Online. Disponível em http://www.consciencia.org/hegel-unificacao-de-ontologia-e-logica.
Capturado no ano de 2010.

 

Leia Também:
 

1. Consciencia cética-Espírito de Hegel >>


2. Estudo sobre Hegel >>