Em certa ocasião, ele viu uma mulher fazendo uma súplica aos deuses numa posição inconveniente. Querendo livrá-la da superstição, segundo Zoilo de Perga, Diógenes aproximou-se dela e disse: “Mulher, você não pensa que o deus pode estar por trás de você − pois tudo está cheio de sua presença − e que devia ter vergonha?”. Diógenes consagrou a Asclépio um brigão que avançava contra as pessoas que caíam de boca no chão e as esmurrava [4]. Ele dizia que todas as maldições da tragédia haviam caído sobre ele, e, de qualquer modo, era um homem “sem cidade, sem lar, banido da pátria, mendigo, errante, na busca diuturna de um pedaço de pão [5]”.
Diógenes afirmava que à sorte podia opor a coragem; às convenções, a natureza; à paixão, a razão. Em certa ocasião, enquanto o filósofo tomava sol no Crânion, Alexandre, o Grande, chegou, pôs-se à sua frente e falou: “Peça-me o que quiser!” Diógenes respondeu: “Saia da frente do meu sol!”.
Diógenes deu a seguinte resposta a alguém que sustentava que não existe o movimento: levantou-se e começou a caminhar. A outra pessoa que dissertava sobre os fenômenos celestes, Diógenes perguntou: “Há quantos dias você chegou do céu?” Um eunuco mau caráter havia escrito na porta de sua casa: “Não entre aqui nenhum mal”. Diógenes comentou: “E por onde entra o dono da casa?”. Ao ungir os pés com ungüento (óleo perfumado), dizia que da cabeça o cheiro ia para o ar, mas, dos pés, ia para seu nariz. Os atenienses solicitavam para que ele se iniciasse nos mistérios, argumentando que os iniciados conseguem lugares privilegiados no Hades; Diógenes, então, disse: “Seria ridículo se Agesilau e Epaminondas [6] morassem no lodo, enquanto certas pessoas sem o mínimo valor, só porque foram iniciadas, fossem morar nas Ilhas dos Bem-Aventurados”.
Vendo ratos subirem à sua mesa, disse: “Vejam, até Diógenes sustenta parasitas!”. Quando Platão o chamou de cão, replicou: “É verdade, pois volto sempre a quem me vendeu”. Na saída dos banhos públicos, alguém lhe perguntou se havia muitos homens se banhando, e sua resposta foi: “não”; outro lhe perguntou se havia muita gente, e a resposta foi: “sim”. Platão definira o homem como um animal bípede, sem asas, e recebeu aplausos; Diógenes depenou um galo e o levou ao local das aulas, exclamando: “Eis o homem de Platão!” Em conseqüência desse incidente, acrescentou-se à definição: tendo unhas chatas. A alguém que lhe perguntou a que horas devia almoçar, sua resposta foi: “Se for rico, quando quiser; se for pobre, quando puder”.
Em Mégara, ele viu as ovelhas protegidas por casacos de pele e os filhos dos megarenses nus, e comentou: “É melhor ser carneiro do que filho de megarense”. A alguém que o atingiu com uma trave e depois gritou: “Cuidado!”, Diógenes replicou: “O quê! Vai me bater outra vez?”. Ele definia os demagogos como serventes da multidão e as coroas conferidas e eles como a floração da glória. Durante o dia, Diógenes andava com uma lanterna acesa, dizendo: “Procuro um homem! [7]”. Certa vez, ele estava imóvel sob forte chuva; enquanto as pessoas demonstravam compaixão, Platão, que estava presente, disse: “Se quiserem compadecer-se dele, afastem-se”, aludindo à sua vaidade. Um dia, alguém o golpeou com o punho e Diógenes disse: “Por Hércules! Esqueci de que se deve caminhar protegido com um capacete!”
Em outra ocasião, Mídias o agrediu com os punhos e disse: “Tem 3.000 dracmas de crédito!” No dia seguinte, Diógenes muniu-se de um par de luvas de pugilismo, moeu-lhe de pancadas e exclamou: “Tem 3.000 dracmas de crédito!” Quando o farmacêutico Lísias lhe perguntou se acreditava nos deuses, Diógenes respondeu-lhe: “Como não acreditaria, se vejo que você é odiado pelos deuses?”. Vendo alguém realizar purificações religiosas, Diógenes disse: “Não sabe, infeliz, que, da mesma forma que, fazendo a sua purificação, não pode se eximir dos erros de gramática, também não conseguirá se livrar dos pecados de sua vida?”. Ele ridicularizava as orações dos homens, observando que os mesmos não pedem os verdadeiros bens, e sim o que lhes parece bom.
Às pessoas que se deixavam perturbar por sonhos, Diógenes falava: “Por tudo o que realmente fazem quando estão despertos, não se atormentam, porém, usam toda a sua perspicácia para entender o que imaginam no sono”. Apesar de tudo, os atenienses o amavam. Tanto era assim que, quando um rapaz lhe quebrou o tonel, os atenienses o surraram e deram outro tonel a Diógenes. Dionísio, o Estóico, afirma que, após a batalha de Queronéia, ele foi detido e levado à presença de Filipe, rei da Macedônia; perguntando-lhe este quem ele era, sua resposta foi: “Um observador da sua ambição insaciável”. Por essa resposta, Diógenes conquistou a admiração do rei e foi posto em liberdade.
Certa vez, Diógenes, presente à chegada de uma carta enviada por Alexandre a Antípatro, em Atenas, por intermédio de um certo Átlio [8], disse: “Um infeliz descendente de um infeliz, por intermédio de um infeliz a um infeliz”. Em outra ocasião, Pérdicas III, rei da Macedônia, ameaçou-o de morte caso não fosse à sua presença. Diógenes respondeu: “Nada há de extraordinário nessa ameaça, pois até uma taturana ou uma tarântula podem me matar”. Em vez disso, ele acharia natural que a ameaça fosse no sentido de que Pérdicas poderia viver perfeitamente feliz sem a sua companhia. Diógenes proclamava freqüentemente que os deuses haviam concedido aos homens meios fáceis de vida, porém, os homens perderam de vista esse benefício, pois precisam de bolos de mel, de cremes para pele e de coisas semelhantes. Pensando assim, a alguém que se deixava calçar por um servo, Diógenes disse: “Ainda não será feliz se este servo não lhe abanar também o nariz; só atingirá a felicidade completa quando tiver perdido o uso das mãos”.
Certa vez, ele viu os guardiães de um templo arrastando um serviçal que roubara uma taça pertencente ao tesouro sagrado, e disse: “Os grandes ladrões arrastando o pequeno ladrão”. Em outra ocasião, vendo um jovem que atirava pedras numa cruz, Diógenes exclamou: “Muito bem! Vai acabar conseguindo a cruz!” A alguns jovens que o cercavam e diziam: “Cuidado para que não nos morda!”, ele falou: “Coragem rapazes, um cão não come acelga”. A alguém que se exibia orgulhosamente vestindo uma pele de leão, Diógenes disse: “Pare de desonrar as vestes da coragem!” A certa pessoa que considerava Calístenes feliz porque desfrutava do esplendor da côrte de Alexandre, o Grande, ele ponderou: “Calístenes é sem dúvida infeliz, pois almoça e janta quando Alexandre quer”.
Se necessitava de dinheiro, Diógenes se dirigia aos amigos dizendo que não o pedia como doação, e sim como restituição. Em certa ocasião, o filósofo masturbava-se em plena praça do mercado e disse: “Ah, se eu também pudesse satisfazer a fome apenas esfregando o estômago!” A um rapaz tratado com cosméticos que lhe fez uma pergunta, disse que não responderia antes de ele se despir e mostrar se era homem ou mulher. Durante um banquete, algumas pessoas lançaram-lhe ossos como a um cão; levantando-se, o filósofo urinou sobre os ossos, como faria um cão.
Diógenes chamava de “triplamente homens” os retóricos e todos os que buscam a glória na eloqüência, querendo dizer “triplamente infortunados”. De um ignorante rico, ele costumava dizer que era uma ovelha com velocino de ouro. Observando, na casa de um devasso, o anúncio “Vende-se”, Diógenes comentou: “Eu sabia que, depois de tanta depravação, esta casa vomitaria facilmente o dono”. A um jovem que se queixava dos muitos admiradores importunos, ele disse: “Pare de provocá-los exibindo esses sinais de convite”. A respeito de um banho público sujo, Diógenes disse: “Onde se lavam as pessoas que se banharam aqui?”. Um citaredo muito gordo era ridicularizado por todos e elogiado apenas por Diógenes; perguntaram-lhe a razão dessa atitude e a resposta foi: “Porque, apesar de ser tão corpulento, ele canta com sua cítara, em vez de virar um assaltante”.
A um citaredo sempre abandonado pelos ouvintes, ele dirigiu a saudação: “Salve, galo!”; quando lhe perguntaram por que o saudara assim, Diógenes respondeu: “Porque, quando ele canta, todo mundo se levanta”. Enquanto um jovem se exibia proferindo um discurso muito elaborado, Diógenes, que enchera a parte da frente de seu manto com amendoins, comia-os sofregamente diante do orador; chamando assim a atenção dos presentes, ele disse que estava muito surpreso ao ver que estes se desinteressavam do orador para observá-lo. A uma pessoa muito supersticiosa que lhe disse: “Com um único golpe eu te quebro a cabeça”, o filósofo replicou: “E eu, com um simples espirro da narina esquerda, te faço tremer”. Diante das súplicas de Hegesias para que lhe emprestasse um de seus escritos, Diógenes disse: “É um tolo, Hegesias; você prefere figos reais a figos pintados em telas. Porém, quer adquirir a prática da vida nos livros, e não na vivência real.”
Quando alguém o reprovou por seu exílio, sua resposta foi: “Mas me dediquei à filosofia por causa disso, infeliz!” Dizendo alguém que as pessoas de Sínope o condenaram ao exílio, Diógenes replicou: “E eu, a permanecerem onde estavam”. Em certa ocasião, ele viu um vencedor olímpico pastoreando ovelhas e disse: “Passou muito depressa de Olímpia para Neméia [9]”. Perguntaram-lhe certa vez por que é tão grande a estupidez dos atletas; sua resposta foi: “Porque são compostos de carne suína e bovina”. Em outra ocasião, Diógenes pediu esmola a uma estátua; a alguém que lhe perguntou a razão do pedido, o filósofo explicou: “Para me habituar a pedir em vão”. Compelido pela pobreza a pedir uma esmola a alguém, acrescentou: “Se já deu a outro, dê a mim também; se não, comece por mim”.
Um tirano lhe perguntou qual seria o melhor bronze para uma estátua, e sua resposta foi: “O bronze com que foram feitas as estátuas de Harmódio e Aristogíton [10]. Perguntaram-lhe também como Dionísio costumava tratar os amigos; Diógenes disse: “Como sacos; enquanto estão cheios, ele os mantém de pé, e quando ficam vazios, joga-os fora”. Um recém-casado escreveu em sua casa: “Nesta casa reside Hércules vitorioso, filho de Zeus; nada de mal entre aqui”. Diógenes acrescentou: “Depois da guerra, a aliança”. Diógenes afirmava que “o amor ao dinheiro é a metrópole de todos os males”. Vendo um devasso comendo azeitonas numa taverna, ele disse: “Se tivesse almoçado desse jeito, não estaria jantando assim”.
Ele definia os homens bons como imagens dos deuses, e o amor como a ocupação de desocupados. Perguntaram-lhe o que havia de mais miserável na vida e sua resposta foi: “Um velho na miséria”. Perguntaram-lhe também de que animal a mordida era pior, e ele respondeu: “Do sicofanta [11] entre os animais selvagens, e do bajulador entre os animais domésticos”. Vendo em certa ocasião dois centauros mal-pintados, perguntou: “Qual dos dois é Quíron [12]?” Diógenes também comparava um discurso cativante com um laço de forca untado com mel, e definia o estômago como a Caríbdis [13] da vida. Em certa ocasião, Diógenes ouviu dizer que o flautista Dídimo havia sido flagrado em adultério e comentou: “Já pelo nome ele merece a forca [14]”. À pergunta: “Por que aquele é pálido?”, sua resposta foi: “Porque tem muita gente pérfida tramando contra ele”. Ao ver uma mulher sendo transportada numa carruagem, disse: “A jaula não é proporcional à fera”.
Vendo um servo fugitivo sentado na borda de um poço, gritou: “Cuidado, rapaz, para não cair aí dentro [15]!” Vendo uma mulher pendurada numa oliveira, Diógenes exclamou: “Seria ótimo se todas as árvores produzissem frutas como essa!”. Vendo um ladrão de roupas, disse: “Que faz aqui, homem ótimo? Veio saquear algum cadáver [16]?”. Perguntaram-lhe se ele dispunha de algum servo ou serva e ele disse que não; quando o autor da pergunta acrescentou: “E quem o levará ao cemitério quando morrer?”, sua resposta foi: “Quem quiser a minha casa”.
Notando um belo jovem que dormia numa posição em que se expunha demais, tocou-lhe as costas e disse: “Acorda, homem, para evitar que alguém te enfie uma lança por trás [17]”. A alguém que gastava exageradamente em festas suntuosas, disse: “Tua vida será curta, filho, por causa do que compras [18]”. Ouvindo uma preleção de Platão sobre as idéias, na qual esse filósofo se referia a nomes como “mesidade” e “tacidade” [19], Diógenes ponderou: “A mesa e a taça eu vejo, Platão, porém, sua mesidade e tacidade não posso ver de forma alguma”. “Isso é lógico”, respondeu Platão, “pois você tem olhos para ver a taça e a mesa, mas não tem mente para perceber a mesidade e a tacidade”.
Alguém perguntou: “Que espécie de homem você pensa que Diógenes é?” A resposta de Platão foi: “Um Sócrates desvairado”. Quando lhe perguntaram qual era a idade oportuna para casar, Diógenes respondeu: “Quando se é jovem, ainda não é tempo; quando mais velho, já não é mais”. Perguntaram-lhe em que circunstâncias ele consentiria em receber um murro na cabeça, e a resposta foi: “Protegido por um capacete”. Vendo um rapaz vestido com requinte excessivo, disse: “Se você se enfeita para os homens, é um tolo; se para as mulheres, é um impostor”. Em certa ocasião, Diógenes percebeu que um jovem ficara ruborizado, e disse: “Coragem! Esta é a cor da excelência moral [20]!”. Em outra ocasião, ouvia a discussão de dois advogados e condenou os dois, dizendo que, sem dúvida, um roubou e o outro não perdeu nada. A alguém que lhe perguntou qual o vinho que preferia beber, o filósofo respondeu: “o dos outros”. A alguém que lhe disse: “Muita gente ri de você”, sua resposta foi: “Mas eu não rio de mim mesmo”.
Diógenes corrigiu da seguinte maneira alguém que declarou que a vida é um mal: “Não a vida, mas viver erradamente”. A alguém que tentava convencê-lo a perseguir seu escravo fugitivo, sua reposta foi: “Seria ridículo, se Manes pode viver sem Diógenes, que Diógenes não pudesse viver sem Manes”. Quando, na primeira refeição, comia azeitonas e achou um pedaço de bolo entre elas, ele o afastou e dirigiu as seguintes palavras: “Dê passagem aos tiranos, estrangeiro [21]!”. Em outra ocasião, suas palavras foram: “Ele açoitou a azeitona [22]”. Perguntaram-lhe que espécie de cão ele era; sua resposta foi: “Quando estou com fome, um maltês; quando estou farto, um molosso – duas raças muito elogiadas, mas as pessoas, por temerem a fadiga, não se aventuram a sair com eles para a caça. Da mesma forma, não podem conviver comigo; porque receiam sofrer”.
Quando lhe perguntaram se os sábios comem bolos, ele respondeu: “De todos os tipos, junto com o resto dos homens”. Perguntaram-lhe também por que as pessoas dão esmolas aos mendigos, mas não dão aos filósofos, e Diógenes respondeu: “Porque pensam que podem um dia se tornar aleijados ou cegos, porém, filósofos jamais”. Certa vez, pediu alguma coisa a um avarento; este demorava, e Diógenes falou: “Estou pedindo para comprar alimentos, não para as despesas do funeral”. Censurado em certa ocasião por haver falsificado dinheiro, disse: “Foi numa época em que eu era como você é agora, porém, jamais você será como eu sou agora”. E a alguém que lhe dirigia a mesma censura, Diógenes replicou: “Antes eu urinava na cama, mas hoje não”. Chegando a Mindos e vendo os portões grandes, embora a cidade fosse pequena, exclamou: “Fechem os portões, homens de Mindos, para evitar que a cidade saia por eles!”. Vendo alguém que foi flagrado roubando púrpura, disse: “Foi colhido pela morte púrpura e pela poderosa Moira [23]”.
[4] Asclépio era o deus da medicina. Sarcasticamente, Diógenes “consagra” a Asclépio alguém que inflige dor a outras pessoas.
[5] Fragmento trágico anônimo, 984, Nauck.
[6] Agesilau foi um rei espartano e Epaminondas, um comandante tebano. Ambos foram homens cujas vidas foram retratos vivos de seu extraordinário caráter moral e causaram grande impressão em seus contemporâneos.
[7] Às vezes afirma-se que Diógenes, aqui, criticava Platão, procurando o homem idealmente definido por este filósofo. Mais aceito, porém, é que Diógenes criticava a superficialidade moral das pessoas, nunca havendo encontrado sequer um homem digno.
[8] Áthlios, em grego = “infeliz”.
[9] Nemea, em grego = “moita do pastor”.
[10] Famosos matadores de tiranos.
[11] Delator, caluniador. Um tipo antigo de promotor.
[12] Khêiron é o nome de um centauro famoso na mitologia grega e significa também “pior”.
[13] Caríbdis (= “sorvedouro de bens”), na mitologia grega, era um monstro marinho que vivia numa caverna e personificava um redemoinho devastador que engolia o mar três vezes ao dia.
[14] Dídymoi, em grego = “testículos”.
[15] Ou seja, “chegar ao fundo do poço”.
[16] Ilíada, de Homero, cap. X, v. 343, 387.
[17] Ilíada, de Homero, cap. VIII, v. 95.
[18] Ilíada, de Homero, cap. XVIII, 95.
[19] Ou seja, idéia ou qualidade daquilo que é mesa e daquilo que é taça.
[20] A vergonha seria sinal de moral.
[21] Fenícias, de Eurípedes, v. 40.
[22] Ilíada, de Homero, cap. V, v. 366 e cap. VIII, v. 45.
[23] Ilíada, de Homero, cap. V, v. 83.
Alexandre.
Palavras chave: "Diógenes de Sínope, Diógenes o Cínico, características de Diógenes, cinismo, sociedade grega, dialética do esclarecimento, indústria cultural, Educação"